domingo, 11 de maio de 2008

Origem e evolução das prisões.


A prisão é velha como a memória do homem e continua a ser a panacéia penal a que se recorre em todo o mundo. Lê-se no Gênesis (cap. 4 XL): “dois eunucos, o copeiro do rei do Egito e o padeiro, pecaram contra seu senhor. E o Faraó, irado contra eles (porque um presidia aos copeiros, outro aos padeiros), mandou-os meter no cárcere do general do exército, no qual estava também preso José. E o guarda do cárcere entregou-os a José, que também os servia”.
A princípio, a prisão destinava-se a animais. Não se distinguia, porém, entre irracionais e racionais “inferiores”. Prendiam-se homens pelos pés, pelas mãos, pelo pescoço etc., conforme o medo ou a cólera. Homens e animais foram amarrados, acorrentados, calcetados, grilhetados, manietados etc. Das nascentes zoológicas é que vem o uso de “prender”, da canga às algemas. O número crescente de presos foi pretexto para murá-los e ainda emparedá-los, engradá-los, aferrolhá-los, sem prejuízo dos guardas e soldados armados como para a guerra. Cavernas, naturais ou não, subterrâneos, túmulos, fossas, torres, tudo servia para prender. Prendia-se para não deixar fugir ou para obrigar a trabalhar.

Depois, vieram as prisões para “salvar”, “regenerar”, “recuperar”, “corrigir”, “emendar”, “reformar” e outras mentiras. “Vou emendar-te”, ouvi, na infância, de pais e mestres de chicote em punho. O chamado sistema ou regime penitenciário, originário de religião, perdeu ou abandonou sua base: o pecador (o criminoso) aceitava e, às vezes, suplicava como graça, a penitência. A “reabilitação” vinha da adesão íntima ao sofrimento purificador. Mais do que anacronismo, prisão constitui, hoje, excrescência sem conteúdo. A penitência é, agora, imposta, aliás, inutilmente, ao sentenciado, quando cabe ao juiz e ao carcereiro, aos mandantes e cúmplices deste. Eis o reconhecimento de que, sem a penitência, a penitenciária é vício, é desespero. O sofronistério de Platão era “a casa em que os homens tomavam juízo”. Nas células, tomam loucura. O próprio Bentham prejudicou sua visão de precursor com a obsessão da vigilância. E o “sistema panóptico” interrompeu a evolução humanista. Crofton foi responsável pelo sistema progressivo que não podia progredir além dos esquemas carcerários.


Variaram apenas na “técnica” os castigos directos ou indirectos, no corpo e na alma. Tudo para confessar e purgar a culpa, arrepender-se e penitenciar-se numa célula. Com finalidade utilitária (proselitismo religioso, trabalho forçado, exploração sob várias formas), a prisão foi sendo ampliada entre muros cada vez mais altos e as segregações, desde o solitary system às progressões e formas mistas de vários tipos, ou a promiscuidade, mais ou menos permanente e completa. Aliás, ainda sob o solitary system, a crónica autenticou a história com a revelação das fraudes para a comunicação e o contacto.


Mais tarde, os presos foram soltos nos mais diversos espaços e sob os mais diferentes pretextos. A verdade é que não há, a bem dizer, sistemas ou regimes. Praticamente, influi mais a mudança de um chefe do que um novo Código. Surgiram até, para uma minoria de privilegiados do mal ou do bem, de um lado, prisões que receberam legendas infernais (e continuam a existir) e, de outro, prisões que se descaracterizam e se desnaturam, até as casas de “boa vida”.
Ferri considerou a prisão celular aberração do século XIX, quando é de todos os séculos, inclusive o actual. Voltaire referiu-se às fossas que os bárbaros chamam prisão. Subsiste a fossa-prisão, inclusive para menores. A maioria cumpre penas em lugares mais aberrantes do que as células.
Nenhum país conseguiu resolver, sequer, o problema primário das prisões preventivas ou provisórias, mesmo “especiais”. Estas são agora demoradas e extensivas, mesmo “especiais”. Condenam-se, desde logo, os indivíduos processados, protegidos pela presunção de inocência, muitas vezes reconhecida pela Justiça, a sofrer tratamento inqualificável. A regra é a masmorra. Não bastam gritos passionais, intermitentes e epidérmicos, ora negativos (vingança, alarma e outras excitações e incitações contra o criminoso), ora positivos (piedade e outras excitações a favor do criminoso).


A vanguarda evoluiu no espaço, do quarto (cela) para a sala, o pátio, o pavilhão, os arredores, a ilha, a colônia. O primeiro avanço fundamental foi à liberdade (a liberdade!) de nova vida noutro lugar. Não importa o nome (transportação, relegação, exílio, degredo, banimento, desterro, expulsão, etc). Quem aprofundar a reflexão há-de reconhecer o progresso sobre as penas de morte, castigos corporais, escravidão. A prisão terá sido adiantamento?
Em última análise, o que estão a fazer e a pensar actualmente? Apesar do unânime reconhecimento da nocividade das penas privativas de liberdade, curtas ou longas, contínuas ou não, determinadas ou não, tudo continua a girar em torno da prisão. No entanto, bastaria abrir, ao acaso, qualquer alfarrábio para encontrar a ciência adquirida há séculos. Vejam, por exemplo, o de Warree: “a pena é injusta se inútil” E se funesta? São insolúveis os problemas da prisão coma prisão. É o que todos sabem.
Privilégios para poucos, pois são poucos os ricos e poderosos presos, enquanto o maior número, até de processados, é animalizado ou explorado nas cadeias. “Penitenciárias maravilhosas” e monumentais, colónias virgilianas são excepções que culminam o contraste com os horrores vizinhos. São ilhas de graças num mar de desgraças. Mas, com outras desgraças – as do estímulo ao mal. Não há mais o que projectar. Os gabinetes estão cheios de planos. Não passam aos actos e fazem ouvidos de mercador – de mercador, sim – aos que têm ciência e, sobretudo, consciência.




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