quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O Centro Educativo da Bela Vista

O Centro Educativo da Bela Vista é uma instituição da Segurança Social, que se destina a acolher jovens autores de delitos criminais. Anteriormente, este centro fora um colégio interno, cujo a função era abrigar tanto jovens que tinham cometido delitos criminais, como jovens vítimas de desprotecção familiar (que foram retirados às famílias devido a maus tratos e desestruturação familiar); porém, com a saída da Lei Tutelar Educativa dos Menores, em 2001 (para ver legislação sobre a mesma, ir aqui) - que veio trazer um novo regulamento, em que os jovens autores de delitos criminais íam para centros educativos e os jovens vítimas de desprotecção familiar íam para institutos próprios para o efeito - nasceu o Centro Educativo da Bela Vista (com esta designação), que se destina a acolher apenas jovens do sexo masculino, entre os 16 e os 17/18 anos (na maioria), que cometeram determinados delitos criminais (em casos extremos, pois a sanção de internamento num centro educativo é a medida mais drástica).

Este centro educativo (de regime interno) dispõe de um regulamento interno, onde consta, por exemplo, o tipo de regime aplicado aos jovens (aberto e semi-aberto), tal como a metedologia aplicada aos mesmos. Assim, com objectivo de orientar o jovem deliquente e ajudá-lo a construir um projecto de vida, este centro toma medidas, não só a nivel de controlo e restrição (os jovens são constantemente acompanhados e vigiados por um monitor), como também a nível pessoal e afectivo, através de um acompanhamento psicológico individual regular (psicoterapia); já a nivel de grupo, a relação entre os jovens pode revelar-se complicada, porém, estes jovens são incentivados a conviver uns com os outros de forma a realizar-se uma aprendizagem de vida em sociedade, pelo que partilham actividades lúdicas, que vão desde desporto, variados atelieres (actividades lúdico-pedagógicas), formação profissional, cumprindo, ainda, um programa de educação para a mundança – um programa de tomada de consciência e de reflexão para a mudança de atitude. Os jovens passam por diversas fases de tratamento (fase 1, fase 2 e fase 3, onde, progressivamente, o jovem vai ganhando alguma liberdade, embora sempre acompanhado), e a sua saída do centro depende muito da sua progressão, podendo este inclusivé estar dispensado do programa de reeducação antes dos 21 anos (idade limite de permamência no centro).

A metodologia aplicada nestes jovens tem dado resultados mais ou menos satisfatórios, sendo que alguns deles "recuperam", apesar da custosa privação de liberdade a que foram sujeitos, conseguindo reestruturar a sua vida, e construí-la de uma forma saudável; porém, ainda há muitos jovens que, infelizmente, não conseguem cumprir o seu percurso com sucesso, e, uma vez em liberdade, voltam à delinquência.
Cláudia

No dia 26 de Fevereiro, terça-feira, eu, a Cláudia, a Inês Martins e o Francisco fomos até ao Centro Educativo da Bela Vista.

Quando lá chegámos, o centro parecia uma prisão, com uns grandes portões e um guarda a vigiá-los. Entrámos, aguardámos na entrada e pouco depois, a Dr.ª Fernanda Vieira veio ter connosco. Apresentámo-nos e dirigimo-nos para uma pequena sala.

Já na sala, a Dr.ª pediu para falarmos um pouco do nosso trabalho de Área de Projecto, nomeadamente no que consistia, e o que nos tinha motivado a fazer um trabalho sobre reinserção social. Depois, foi a vez da Dr.ª se apresentar. Disse-nos que trabalha há 15 anos na área da reinserção social em prisões, tendo 10 anos de experiência na prisão de Tires e 5 anos na prisão do Linhó.

Antes de ser um centro educativo, aquela instituição funcionava como um colégio que acolhia jovens que sofriam de desprotecção social, isto é, não tinham uma família que os sustentasse e outros que tinham mas eram maltratados e ainda jovens que tinham cometido crimes, o que se traduzia numa grande “confusão”, visto que jovens com problemas distintos estavam juntos naquela instituição, que chegou a albergar cerca de 70 pessoas. Mas uma nova lei, a Lei Tutelar Educativa, saída em 2001, viria alterar esta situação. Assim sendo, os jovens criminosos iam para centros educativos em regime de internamento, deixando por isso de ter qualquer contacto com o exterior, tal como numa prisão, enquanto que os que sofriam de desprotecção social iam para colégios. Este colégio tornou-se então num centro educativo, acolhendo jovens do sexo masculino que tenham cometido crimes até aos 16 anos, visto que a partir desta idade, vão para a prisão.

Entre os 12 e os 16 anos, aquele que cometer um crime fica sujeito a uma medida tutelar educativa, estabelecida pelo tribunal e inspirada na lei penal, que se traduz num acompanhamento educativo, uma medida mais leve, tendo o jovem de frequentar obrigatoriamente as aulas ou cursos em que está inscrito, em programas de internamento que podem ir de um fim-de-semana até 4 semanas, onde os jovens fazem fichas de reflexão sobre os motivos que os levaram a cometer determinado crime e ainda um programa de actividades, nomeadamente, de limpeza dos quartos, casas de banho, etc.
A Dr.ª esclareceu-nos sobre os regimes aplicados aos jovens dependendo da gravidade do crime. São eles o regime aberto, onde os jovens podem sair do centro sozinhos, sempre com os horários controlados, podem sair ao fim-de-semana para estar com a família e têm férias até 15 dias seguidos. No regime semi-aberto, os jovens só podem sair acompanhados por um monitor, não saem ao fim-de-semana e também têm 15 dias de férias. No regime fechado, os jovens deitam-se mais cedo do que os restantes, não têm qualquer tipo de regalias e estão enclausurados. As únicas saídas são para o tribunal, o hospital e para o funeral de um familiar mais próximo.

Os quartos são individuais e têm portas blindadas que são trancadas à noite. Se eles precisarem de ir à casa de banho ou se sentirem mal tocam uma campainha que está ligada ao quarto dos monitores, que lhes vão abrir a porta. Se dois jovens se sentirem mal ao mesmo tempo, vai um de cada vez à casa de banho.

No seu dia-a-dia, estes jovens são confrontados com uma grande variedade de actividades que incluem aulas para o 2º e 3º ciclos, cursos de educação e formação técnico-profissional, fazem desporto nas aulas de educação física, têm uma piscina onde podem nadar, fazem actividades lúdico-pedagógicas como circo, capoeira, atelier de desenho e de jornalismo e frequentam unidades de formação profissional de curta duração como carpintaria e informática.

O acompanhamento psicológico destes jovens é feito pela Dr.ª Fernanda nas chamadas psicoterapias, que têm como base a psicanálise, em sessões de 40 minutos, onde os jovens têm a oportunidade de reflectir sobre a sua vida de forma espontânea, nunca obrigados.

Os jovens que tenham cometido crimes até aos 16 anos podem cumprir pena até aos 21 anos nesta instituição, visto que por vezes as penas se arrastam. A maior parte dos que estão neste centro cometeram crimes como furtos e roubos de vários tipos, nomeadamente de automóveis e faziam parte de grupos de associação criminosa, os gangs.

Cada centro educativo tem um regulamento próprio e diferente de centro para centro, o chamado regulamento interno, feito de acordo com a lei. Por exemplo, neste centro, é proíbido fumar. Se os jovens forem apanhados a fumar podem sofrer sanções disciplinares e ir a tribunal. Por medida de prevenção, também não é permitido o uso de piercings, que por vezes funcionam como moeda de troca para certos favores.

Quando os que estão em regime aberto ou semi-aberto vêm de fora, são revistados, de forma a evitar a entrada de drogas e armas no centro. As roupas dos jovens são postas nos respectivos cacifos, aos quais eles não têm acesso. Não são permitidas roupas de marcas, por isso os jovens usam roupas cedidas pelo centro.

A relação entre os jovens desta instituição, segundo a Dr.ª Fernanda é bastante complexa, por vezes complicada, e por vezes acaba em agressões. Na sua opinião, é muito importante haver uma relação de afectividade com os jovens, que serve também como elo de ligação entre eles e os seus superiores.

Os jovens só se movimentam em grupo, não lhes sendo permitido andar sozinhos.

Segundo a Dr.ª, os objectivos propostos pela instituição como a reinserção social completa, a nível familiar e profissional, têm sido conseguidos na maior parte dos casos, com sucesso. Muitos destes jovens, depois de saírem do centro, voltam para o visitar.

Depois da entrevista, a Dr.ª Fernanda mostrou-nos as instalações e disse-nos que aquele lugar era, antigamente, um mosteiro que acolhia crianças e jovens necessitados. Vimos ainda as portas trancadas, os grandes portões com arame farpado que rodeiam o centro e as janelas com grades nos quartos dos jovens, tudo vigiado por um outro guarda, daí as semelhanças com uma prisão.
Catarina

Nota: estes textos informativos foram feitos (pela Cláudia e pela Catarina), a propósito da visita que o nosso grupo de AP realizou, no âmbito do tema do projecto e com o fim de dar continuidade ao mesmo, quando, dia 26 de Fevereiro de 2008, se deslocou até ao Centro Educativo de Bela Vista com o fim de entrevistar a Dra. Fernanda Vieira, coordenadora do mesmo.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Campanha de Recolha de Roupas - Parte II


O novo cartaz referente à campanha de recolha de roupas a favor do Instituto Conde Agrolongo, já está finalizado e divulgado.

A Pastoral está "a abarrotar" de sacos cheios de roupa, as raparigas do Instituto têm-nas adorado, o feedback tem sido muito positivo! Participem!

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

A vida nas prisões

A prisão é sempre violenta. A questão está em saber se é legítima, como meio de defesa da sociedade. Por mais confortável que seja uma prisão, a privação de liberdade e a criação de uma comunidade administrada exclusivamente pela força, mesmo se ao abrigo da lei, são sempre uma forma de violência. Não me refiro, evidentemente, à prisão injusta, à prisão por excesso de poder arbitrário, à prisão dos inocentes, à prisão por motivo de pensamento e à prisão por razão da liberdade política. Essa é a prisão injusta, é duplamente violenta e traduz uma falha grave na decência de uma qualquer sociedade. Mas, mesmo justa, mesmo protegida pelo direito, prisão é prisão. É sempre a perda da liberdade, que muitos, poetas e políticos, classificam facilmente de bem mais valioso do homem.

Habituámo-nos a considerar a lei de Talião um costume menos civilizado. Não serei eu a dizer o contrário. Muitos, no Ocidente, não sei quantos, estimam a pena de morte como desumana. Partilho inteiramente esse ponto de vista. Em grande parte do mundo, os castigos físicos e corporais, considerados cruéis, estão lentamente a ser banidos, mesmo se em muitas escolas e famílias ainda podem ser frequentes, sob formas nem sempre benignas. Já a prisão, quando justa (porque a injusta é sempre condenável) é tida como reacção social razoável. A menos má. A mais humana. É estranho que a privação de liberdade seja considerada mais humana, por exemplo, do que o castigo físico. Percebo a diferença, mas o assunto não é pacífico. Sobretudo se o castigo não incluir a mutilação. Estou convencido de que o sofrimento moral e espiritual pode, em certas condições, ser superior à dor física. Não me admira que um preso aceitasse trocar de penas, se lhe fosse facultada a escolha da liberdade. A pena de prisão é geralmente aceite como retribuição, desde que justa. Mas é verdade que os modernos, os contemporâneos, se têm interrogado sobre as funções e os objectivos deste castigo. Primeiro, porque as prisões podem ser viveiros de crueldade praticada pelo sistema, de que tanto fazem parte os que têm poder e administram, como os guardas e os presos. Segundo, porque as prisões podem transformar-se numa espécie de condenação à morte, pela doença e pela droga, situação de que temos em Portugal, infelizmente, experiência conhecida. Terceiro, porque as prisões podem ser, e são-no com muita frequência, instituições que mantêm ou ampliam a propensão para o crime.

Ora, as concepções modernas de justiça e decência não querem que a pena seja simplesmente castigo e retribuição. Esperam que seja também meio de reabilitação. Por isso as chamadas políticas ou práticas de reinserção social estão no proscénio das preocupações actuais. E parece justo. Se a pena confirma o criminoso, se a pena estimula o crime, sobra o castigo como único objectivo e os resultados úteis, para a sociedade, são bem menores, se alguns. Evidentemente, ficar-nos-ão sempre as dúvidas: a prisão muda as pessoas? A prisão reabilita? A prisão ajuda à reinserção? A prisão é alguma coisa além do castigo? Tenho vontade, temos vontade de responder afirmativamente a todas estas perguntas. Mas, sinceramente, sabemos que a dúvida tem razão de ser.

Apesar disso, mau grado saber que as sociedades necessitam de dissuasão e de defesa, de protecção dos malvados e dos fantasmas próprios, a verdade é que honra a nossa humanidade o esforço que devemos fazer para que o castigo e a privação da liberdade tenham alguns efeitos salutares, não apenas o de castigar e o de exorcizar os nossos demónios. Tanto mais quanto a prisão cria um estigma muito particular. É a própria sociedade que, por medo ou preconceito, vê o ex-preso com uma marca indelével de que dificilmente se verá livre. O ex-preso que abandona o crime, que tudo faz para se reabilitar e recomeçar a vida, tem, como principal obstáculo, não a sua memória, não os seus escrúpulos, não os seus sentimentos daqueles a que eventualmente fez mal, mas o que os outros vêm nele, o fardo de ex-preso. Nesse sentido, as prisões continuam a exercer os seus efeitos muito para lá das suas paredes.

Sobre as prisões portuguesas, sobre a sua situação actual, seus problemas e suas necessidades, nada me compete dizer que não se saiba e que não esteja escrito, em vários estudos publicados, mas também, em felizes sínteses, nos textos que acompanham estas fotografias. Todos estão conscientes das dificuldades e das situações a que é necessário pôr cobro.

Pelo excesso de prisão preventiva, pela expansão da droga, pela taxa de suicídio e pelo alastramento da doença, as prisões e a justiça necessitam de atenção, reforma e esforço. Não apenas por eles, os presos. Mas por todos nós, cidadãos. O que se passa dentro das prisões não é um parêntesis da vida social. O que ali existe… somos nós também.

A humanidade nas prisões é a decência da sociedade no seu todo.
(...)
Excerto de um texto de António Barreto, sociólogo, cronista, crítico e coleccionador de Fotografia, sobre a vida nas prisões e a sua função de Reinserção Social.
Cláudia