quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

A vida nas prisões

A prisão é sempre violenta. A questão está em saber se é legítima, como meio de defesa da sociedade. Por mais confortável que seja uma prisão, a privação de liberdade e a criação de uma comunidade administrada exclusivamente pela força, mesmo se ao abrigo da lei, são sempre uma forma de violência. Não me refiro, evidentemente, à prisão injusta, à prisão por excesso de poder arbitrário, à prisão dos inocentes, à prisão por motivo de pensamento e à prisão por razão da liberdade política. Essa é a prisão injusta, é duplamente violenta e traduz uma falha grave na decência de uma qualquer sociedade. Mas, mesmo justa, mesmo protegida pelo direito, prisão é prisão. É sempre a perda da liberdade, que muitos, poetas e políticos, classificam facilmente de bem mais valioso do homem.

Habituámo-nos a considerar a lei de Talião um costume menos civilizado. Não serei eu a dizer o contrário. Muitos, no Ocidente, não sei quantos, estimam a pena de morte como desumana. Partilho inteiramente esse ponto de vista. Em grande parte do mundo, os castigos físicos e corporais, considerados cruéis, estão lentamente a ser banidos, mesmo se em muitas escolas e famílias ainda podem ser frequentes, sob formas nem sempre benignas. Já a prisão, quando justa (porque a injusta é sempre condenável) é tida como reacção social razoável. A menos má. A mais humana. É estranho que a privação de liberdade seja considerada mais humana, por exemplo, do que o castigo físico. Percebo a diferença, mas o assunto não é pacífico. Sobretudo se o castigo não incluir a mutilação. Estou convencido de que o sofrimento moral e espiritual pode, em certas condições, ser superior à dor física. Não me admira que um preso aceitasse trocar de penas, se lhe fosse facultada a escolha da liberdade. A pena de prisão é geralmente aceite como retribuição, desde que justa. Mas é verdade que os modernos, os contemporâneos, se têm interrogado sobre as funções e os objectivos deste castigo. Primeiro, porque as prisões podem ser viveiros de crueldade praticada pelo sistema, de que tanto fazem parte os que têm poder e administram, como os guardas e os presos. Segundo, porque as prisões podem transformar-se numa espécie de condenação à morte, pela doença e pela droga, situação de que temos em Portugal, infelizmente, experiência conhecida. Terceiro, porque as prisões podem ser, e são-no com muita frequência, instituições que mantêm ou ampliam a propensão para o crime.

Ora, as concepções modernas de justiça e decência não querem que a pena seja simplesmente castigo e retribuição. Esperam que seja também meio de reabilitação. Por isso as chamadas políticas ou práticas de reinserção social estão no proscénio das preocupações actuais. E parece justo. Se a pena confirma o criminoso, se a pena estimula o crime, sobra o castigo como único objectivo e os resultados úteis, para a sociedade, são bem menores, se alguns. Evidentemente, ficar-nos-ão sempre as dúvidas: a prisão muda as pessoas? A prisão reabilita? A prisão ajuda à reinserção? A prisão é alguma coisa além do castigo? Tenho vontade, temos vontade de responder afirmativamente a todas estas perguntas. Mas, sinceramente, sabemos que a dúvida tem razão de ser.

Apesar disso, mau grado saber que as sociedades necessitam de dissuasão e de defesa, de protecção dos malvados e dos fantasmas próprios, a verdade é que honra a nossa humanidade o esforço que devemos fazer para que o castigo e a privação da liberdade tenham alguns efeitos salutares, não apenas o de castigar e o de exorcizar os nossos demónios. Tanto mais quanto a prisão cria um estigma muito particular. É a própria sociedade que, por medo ou preconceito, vê o ex-preso com uma marca indelével de que dificilmente se verá livre. O ex-preso que abandona o crime, que tudo faz para se reabilitar e recomeçar a vida, tem, como principal obstáculo, não a sua memória, não os seus escrúpulos, não os seus sentimentos daqueles a que eventualmente fez mal, mas o que os outros vêm nele, o fardo de ex-preso. Nesse sentido, as prisões continuam a exercer os seus efeitos muito para lá das suas paredes.

Sobre as prisões portuguesas, sobre a sua situação actual, seus problemas e suas necessidades, nada me compete dizer que não se saiba e que não esteja escrito, em vários estudos publicados, mas também, em felizes sínteses, nos textos que acompanham estas fotografias. Todos estão conscientes das dificuldades e das situações a que é necessário pôr cobro.

Pelo excesso de prisão preventiva, pela expansão da droga, pela taxa de suicídio e pelo alastramento da doença, as prisões e a justiça necessitam de atenção, reforma e esforço. Não apenas por eles, os presos. Mas por todos nós, cidadãos. O que se passa dentro das prisões não é um parêntesis da vida social. O que ali existe… somos nós também.

A humanidade nas prisões é a decência da sociedade no seu todo.
(...)
Excerto de um texto de António Barreto, sociólogo, cronista, crítico e coleccionador de Fotografia, sobre a vida nas prisões e a sua função de Reinserção Social.
Cláudia

1 comentário:

Anónimo disse...

para alem de ter achado o tema muito interessante, que é o mesmo que eu estou a tratar na minha PAT, projectio final de acurso de Acção social, gostaria de saber se é possivel publicarem mais documentos sobre este tema seria uma ajuda muito valiosa para o meu trabalho. obrigado